Mirei nas joias, acertei na vida
- Júlia Assis
- 16 de jun.
- 3 min de leitura

Quanto mais eu tento escrever sobre joias, mais eu me afasto de um começo de texto decente. E foi na tentativa de pensar como começar que acabei começando a pensar que, ao tentar falar sobre joias, eu sempre me via voltando para a vida.
Essa vida cheia de fatos, atos e escolhas. Uma coisa bem clichê de quem diz que a vida não tem rascunho, vai sendo construída conforme se constrói.
E como a joia entra nisso é o quê da questão. Foi depois de muita vida vivida, muitos fatos, atos, nem todos certos, muitos deles falhos, que comecei a respeitar o lugar que a joia ocupa na vida. E joia é uma peça de ouro, mas também pode ser uma peça de roupa, um desenho num papel, uma rolha de vinho assinada, um pedaço de história representada num sustentáculo material que carrega um significado, que só significa para quem sabe.
Eu mesma por mim escolhi trabalhar o ouro como joia, e fazer disso uma forma de me manifestar sobre os momentos preciosos da vida que, de alguma forma, pedem que sejam materializados, porque a vida passa e o que fica é o que a gente lembra.
Lembrança ou memória, essa coisa que vai se turvando com o tempo e que, vez ou outra, precisa de um símbolo, um objeto, para transportar para aquele momento do passado, às vezes longínquo, às vezes recente, que transcende o tempo e se imprime na vida. Do tipo que marca, que muda quem vive, que faz pensar, viver um pouco mais, escolher lembrar ou mesmo tentar esquecer. O esforço para lembrar é a vontade de esquecer, acabei de ouvir.
Caindo em outro clichê, no da maturidade pelo tempo de vida transcorrida, percebo que foi só depois de ter vivido tantas coisas, altos e baixos, que comecei a dar valor sobre cada fato que me formou até aqui e a colocar a joia nesse lugar de marcador, para mim e me fazendo lembrar da minha própria existência.
Não querendo cair em mais um clichê, o da repetição, não é a primeira vez que verbalizo o que penso a respeito do que se usa nesse suporte que é nosso próprio corpo. Usamos nossos dedos, braços, pescoços, orelhas, tornozelos para nos adornar. Onde se pode encaixar um objeto, estamos historicamente nos enfeitando.
Se no começo da vida – e eu digo aqui até os meus vinte e tantos anos – nos enfeitamos com o que gostamos, o que se usa de tendência e acumulamos peças autodecorativas, depois de uma certa idade, cada peça começa a fazer sentido para além do adorno, embutindo significado e memória.
Aí que entra a beleza da joia – no sentido da joalheria tradicional, que usa metais e pedras preciosas – porque ela dura mais que o tempo de uma vida. E eu acho isso absolutamente lindo. Minha memória de vida materializada durará mais do que eu própria.
Na história da joalheria, se estudam joias emblemáticas, cujos registros estão em pinturas ou retratos, mas que foram desfeitas por guerras, novas tendências ou mudanças políticas. Isso é mais que comum na história da joalheria: o mesmo ouro se transforma em outra coisa, a pedra é reutilizada para uma outra peça, contendo as marcas da antiga cravação em alguns casos. É uma história viva contada pela plasticidade dos materiais mais permanentes da natureza: metais e minerais. Há tanta beleza na possibilidade da impermanência quanto na escolha pela permanência.
Eu mesma gosto de pensar que construo meu acervo dia a dia, dos pequenos brincos enquanto era bebê, das joias de toda uma vida, e das joias que crio a cada dia, para cada um que me escolha para isso, e para cada um que use uma joia criada por mim. Como um Museu de coisas vivas, vivendo dentro de mim e de cada um que cruza meu caminho.
Não por acaso, escrevo esse texto ouvindo Los Hermanos, a banda que marcou minha jovem adultez, e que foi citado mais acima. Porque me faz lembrar daquela Júlia que escolhia um brinco vendido na praia para usar no verão da Bahia que, sabe-se lá que caminhos tortuosos tomou, chegou aqui aonde estou, escrevendo sobre vida e pensando sobre joias preciosas. Não há certo ou errado. Há a escolha do que se deseja guardar.

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